Cancelar significa abolir, boicotar, banir… Quando penso nessa expressão me vem à mente o personagem de um romance norte-americano, traduzido para o português, chamado Fernão Capelo Gaivota.
Fernão era uma gaivota e vivia no seu bando. Como gaivota, aprendia as lições de voo com os mais velhos. O objetivo de vida dessas aves era caçar para comer, mas Fernão se encantou com as acrobacias e queria alcançar as alturas.
Por ter o pensamento destoante do grupo, Fernão foi colocado no centro das gaivotas.
Foi considerado irresponsável, uma vergonha para a espécie! “Foi banido por ter violado a dignidade e a tradição das famílias das gaivotas”. Fernão foi cancelado!
Trago, também para pensar no assunto, uma história, já bastante conhecida, de uma tribo sul-africana. Dizem os relatos que quando alguém da tribo comete um erro, ou se comporta de forma inesperada, frustrando as expectativas do grupo, essa pessoa é também levada ao centro da aldeia e todos os membros da tribo se posicionam ao seu redor.
Só que dessa vez, por horas seguidas, os integrantes da tribo relembram à pessoa que está ao centro, todos os atos bons por ela já praticados. Eles dizem “Sawabona”, que, traduzido, quer dizer “eu respeito você, eu valorizo você” ! Não há julgamentos, nem acusações.
Há o resgate do que ela tem de melhor para que, novamente, possa se reconectar com a sua essência.
Então pergunto: diante de equívocos, erros e enganos, será mesmo necessária a exposição pública que humilha, denigre, envergonha, destrói reputações? A intolerância com
as fragilidades alheias desconsidera que muitas vezes o erro também é parte da aprendizagem, sem contar que o pavor da inadequação tira a espontaneidade da vida.
A 21ª edição do Big Brother Brasil, entre anônimos e famosos, trouxe à tona o tema do cancelamento e como podemos ser cruéis quando nos propormos à vigilância constante ao
outro e não a nós próprios.
Sendo adultos ou crianças, precisamos nos educar para tolerar o diferente, respeitar as individualidades, conviver com os erros, equívocos e fragilidades: alheios e próprios. É preciso
saber perdoar os outros e a si mesmo. Somos seres inacabados e estamos em construção. E sempre há tempo para ressignificar histórias, experiências e vidas.
Ivone Aparecida Pereira
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