A Coroação de Charles III: a velha renovação do poder

31 Maio 2023

Após mais de setenta anos de reinado, a rainha Elizabeth II do Reino Unido, querida por mais de setenta porcento dos seus súditos, faleceu em 8 de setembro de 2022, iniciando o processo de transição da coroa para seu primogênito, que culminou na coroação do Rei Charles III no dia seis de maio de 2023.

O evento da coroação é simbólico, pois o Rei Charles III assumiu o trono automaticamente após a morte da sua mãe. No entanto, existe um apelo ao rito, devido à importância religiosa, pois o monarca Britânico é também o líder da religião anglicana, e ao interesse da própria realeza Britânica de manter a mística em torno da família real, possivelmente a mais famosa de todo mundo.

Entretanto, ao assistir as transmissões da coroação aqui do Brasil, seja ao vivo, em tempo real, possível graças à globalização dos meios de comunicação, ou pelas imagens e noticiário, paira a dúvida sobre qual seria a relevância desse tema ou até mesmo da coroa Britânica para o nosso país e o mundo no século XXI.

Internacionalmente, a maior relevância de Charles III é indubitavelmente como o chefe da Commonwealth of Nations, ou simplesmente Commonwealth, Comunidade das Nações em português. Essa organização internacional governamental é uma associação voluntária, incialmente criada no início do século XX, composta pelo Reino Unido e suas ex-colônias, em uma tentativa de assegurar um maior poderio Britânico no sistema internacional, quando o seu império se via ruindo com os movimentos de independência.

Atualmente, composta por 56 Estados membros, incluindo alguns que não foram ex-colônias, as principais plataformas da Commonwealth são educação, comércio e meio ambiente, sendo esse último um tema querido do próprio rei Charles III.

Além da Commonwealth of Nations, existe o Commonwealth Realm, ou reinado da Comunidade das Nações. Os membros deste reinado juram lealdade ao monarca Britânico e o reconhecem como seu chefe de Estado. No entanto, os seus quinze Estados membros mantêm independência política e formas próprias de autogoverno, sendo o Rei Charles III novamente dotado de um poder mais simbólico, vez que a ingerência nos membros do Commonwealth Realm geraria um constrangimento ao Reino Unido, a ponto dos demais Estados romperem qualquer relação com ele.

Ocorre que, devido aos altos custos e a representatividade imperialista da monarquia Britânica, existe um movimento muito forte nos Estados vinculados ao reinado do Charles III de cortarem esse laço monárquico e manterem apenas relações políticas intergovernamentais, ou seja, retirarem Charles como chefe de Estado, a exemplo do que fez Barbados em 2021.

Como organização internacional, a Commonwealth representa 20% do Produto Interno Bruto (PIB) global e 24% do crescimento do PIB nos últimos vinte anos (2012-2022), algo significativo para o comércio internacional. Entretanto, os Estados membros que a compõem não se apresentam no sistema internacional como um bloco, priorizando as relações bilaterais e independentes. Isso significa que o Brasil não negocia com a Commonwealth, e sim com seus membros isoladamente, como o próprio Reino Unido e a Índia, sendo essa última o maior PIB do grupo, ultrapassando o da sua antiga metrópole.

Isoladamente, o Reino Unido representa apenas o 20º maior parceiro comercial do Brasil, muito atrás da Índia, que está na 5ª colocação. O Reino Unido passa por uma crise política, social e, especialmente, econômica desde o fatídico Brexit, que o retirou da União Europeia. As perspectivas econômicas são tão obscuras, que a expectativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de que o Reino Unido seja a economia com menor crescimento entre os países industrializados em 2023.

Com as prioridades do Brasil voltadas para melhorar as relações comerciais com parceiros mais importantes, como China, Índia e Estados Unidos, e a situação desfavorável economicamente do Reino Unido, é possível apontar que as relações bilaterais entre estes dois Estados não vão sofrer grandes mudanças no futuro próximo, cabendo a conclusão de que a coroação não impacta o cotidiano e a política externa brasileiras.

A popularidade do Charles III entre seus súditos Britânicos é uma preocupação do novo rei e da monarquia como um todo. Charles não é, sequer, o mais popular entre seus irmãos, com sua irmã, a princesa Anne, tendo aprovação de 72% da população face aos 59% do novo Rei. No mundo atual, de questionamento e rejeição de passados históricos imperialistas, e do combate à persistência de estruturas pós-colonialistas, a monarquia Britânica é vista como algo arcaico e dispendioso.

A julgar pelas poucas falas públicas dos últimos anos, em relação ao Brasil, Charles III pode ser um aliado do país no que tange às questões ambientais, especialmente quanto à preservação da Floresta Amazônica. Todavia, o contexto doméstico Britânico dá indícios de que Charles tem muito mais a perder com seus súditos do que com as relações externas de seu reinado.

____________

Danyelle Wood é Professora do High School e de Relações Internacionais do Colégio Agostiniano Nossa de Fátima, em Goiânia. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, e, como cidadã australiana, súdita do novo Rei Charles III.